Não é verdade… Antes fosse o grilo que me mantivesse acordada. Se assim fosse bastava fechar a janela e instalar-se-ia o silêncio.
O que me mantém acordada é mesmo a aflição. Será aflição isto que sinto? Ou será ansiedade, a ansiedade sobre o decidir ir ou ficar?
Os últimos cinco meses têm sido um desafio profundo. A pandemia criou espaço e tempo onde antes não havia nem tempo nem espaço para coisa nenhuma. A pandemia suspendeu o tempo, interrompeu-o e colocou-o no limbo. A pandemia suspendeu os sonhos, os objectivos, as expectativas. A pandemia não parou o planeta de orbitar o Sol, mas é quase como se o tivesse feito. É quase como se o mundo estivesse suspenso, como se a Terra já não tivesse rotação e permanecesse quieta e só, a planar num espaço sem fim.
Mas existe todo um mundo de necessidades, todo um rol de circunstâncias que não estão suspendidas no tempo e no espaço. Os migrantes continuam a lançar-se ao mar inquieto, as crianças iemenitas continuam sem ter o que comer, os idosos continuam rodeados de uma solidão sem fim, as famílias continuam a passar necessidades, há vidas que continuam a ser assoladas por injustiças incontáveis, os ecossistemas continuam em colapso e cada um de nós lamenta – de uma forma ou de outra – as expectativas adiadas por uma incerteza profunda.
Crises nocturas mas diárias
No meio da amálgama de circunstâncias que descrevi mais acima, são os pensamentos mundanos que me interrompem o sono.
Desde já, peço desculpa a quem lê e deixo a nota de que, no meio de todo um mundo de circunstâncias penosas, eu sinto a necessidade de escrever sobre temas mundanos e desapropriados para as actuais e gravíssimas circunstâncias. Esses temas mundanos estão, nada mais nada menos, relacionados com emprego…
Tal como dizia, os últimos cinco meses têm sido um desafio profundo. O último ano foi um ano de investimento profissional que, julgava eu, iria culminar num início de carreira promissor e auspicioso. O meu contrato como estagiária do Parlamento Europeu terminou em Fevereiro e depois disso as minhas expectativas eram a de ficar em Portugal e encontrar um emprego mal pago em jornalismo ou, a de regressar a Bruxelas e iniciar uma carreira internacional bem paga em comunicação institucional.
A primeira opção (ficar em Portugal e encontrar um emprego mal pago em jornalismo) pressupõe ficar na minha casa que adoro, ao lado do melhor companheiro do mundo ❤︎, rodeada de amigos e família, a fazer o que me apaixona (ou a ser desempregada de longa duração porque me parece impossível encontrar um emprego em jornalismo), a ganhar mal e a não ter dinheiro para mandar cantar um cego. E poder-se-ão perguntar porque é que esta seria a minha única opção? Bem, porque só estaria disposta a ganhar mal e a não ter grandes perspectivas profissionais a fazer uma coisa que realmente gostasse = jornalismo.
A segunda opção, (regressar a Bruxelas e iniciar uma carreira internacional bem paga em comunicação) pressupõe mudar de país, alugar um quarto manhoso numa casa partilhada, estar longe do melhor companheiro do mundo💔, dos amigos e da família, eventualmente obrigar o melhor companheiro do mundo a sair do emprego que tanto gosta e a mudar de país, ganhar bem a fazer uma coisa que até gosto e ter perspectivas auspiciosas para o futuro.
Bem, é claro que estas são algumas das opções que estou a colocar em cima da mesa. É óbvio que a quarentena e a falta de trabalho me fizeram pensar escrupulosamente em várias variantes que não vou referir, por serem tão chatas, maçantes e longas como eu própria fui até agora.
…💭
Já estou cansada de mim mesma e nem sei como é que o E ainda me consegue ver à frente. Estou sempre a maçar-lhe a cabeça com as minhas crises existenciais relacionadas com o emprego.
Já se passaram mais duas horas pela noite adentro. Os meus olhos começam a pesar. Continuo a olhar para o tecto. A janela continua aberta, está calor, e o raio do grilo continua a cantar.
Entretanto descobri que, em algumas zonas da Ásia, as pessoas têm grilos como animais de estimação há centenas de anos por acreditarem que trazem sorte e alegria…
É bom que seja verdade.