04/01/17, Índia, Rishikesh
Cartas de viagem
Estou sentada no terraço do Café Delmar aka Beatles Café que tem vista para o rio Ganges e, em geral, para a zona de Lakshman Jhula, onde a maioria das escolas de yoga, ashrams, alojamentos e cafés estão localizados. Estou instalada no alojamento da escola, na zona de Ram Jhula – um pouco mais pacata e mais distante da zona turística.
Saí de Msyore segunda-feira, às 22h. Apanhei um autocarro nocturno de quatro horas que me levou ao aeroporto de Bangalore. De lá voei para Deli onde descobri que o voo que me levaria até Dehradun foi atrasado cerca de duas horas e meia por causa do mau tempo. “Não há problema, desde que voe hoje”, pensei enquanto me dirigia para o Costa Coffee que havia dentro da zona de embarque do aeroporto.
Tudo correu bem. Cheguei a Dehradun e fui de táxi até ao alojamento da escola. Instalei-me no quarto pequeno e frio onde ficarei até ao final do curso. Saí apenas para beber um chá de gengibre e mel. Dúvida, hesitação, incerteza. Foi o que senti quando aqui cheguei. Ao contrário de Mysore, onde tudo era familiar, as pessoas, os lugares… aqui tudo é novo e desconhecido. Criar uma zona de conforto num sítio novo requer tempo e habituação. Mas como não é da minha natureza desistir, decidi que não havia melhor forma de me sentir mais confortável do que conhecer o lugar onde estou.yoga
Hoje, com o sono reposto decidi ir explorar a zona de Lakshman Jhula. Tomei o brunch num café com vista para o Ganges (penso que a maioria dos cafés aqui em Rishikesh têm vista para o rio) e pus-me a vaguear pelas ruas.
Os meus chinelos rasgaram-se e entrei numa loja para comprar uns novos. Acabei por não comprar nenhuns ali (porque não me agradavam) mas tomei um chai e fiquei a conhecer o senhor que lá trabalhava. Depois atravessei a famosa ponte de Lakshman Jhula e vaguei pelas ruas cheias de lojas de roupa e acessórios, com coisas incríveis. Não entrei em nenhuma… Entrei num templo onde um devoto hindu me fez tocar nos pés da estátua de Krishna enquanto murmurava “Om krishna, Om krishna”. Isto, disse-me “é para te abençoar e desejar sorte”. No final deu-me uma pulseira e umas flores para, na manhã seguinte, fazer o puja no Ganges.
Saída do café regressei, a pé, para a zona onde estou instalada mas precisava de encontrar um ATM. Cheguei à “minha zona” mas descobri, através de duas raparigas espanholas, que aquele multibanco não estava a funcionar. Disseram-me que havia um já ali à direita. Acabei por ir e estava fechado. Mas reparei que uma multidão de indianos e de sadhus se encaminhavam rua abaixo.
“Olha… Não sei para onde vou mas parece-me melhor ir do que ficar” pensei.
Acabei por ir dar com a ponte Ram Jhula, uma das duas principais pontes que existem em Rishikesh. Estava novamente à beira do rio Ganges. (e é tão perto da minha casa!) Vi pessoas a mergulhar, a fazer oferendas, a atropelarem-se para entrarem no barco que os levaria a um templo do outro lado do rio….. Vi o pôr do sol.
Já não me sentia assim, tão conectada, há muito, muito tempo. Senti-me serena, diante de tanta beleza, de tanta efemeridade. As lágrimas vieram-me aos olhos.
No entanto, dou sempre por mim a pensar, já desde Mysore que “ias gostar disto” ou “ias gostar daquilo”. Imagino-nos sempre aos dois, de mala às costas, ou em cima de uma scooter, no meio do mercado, na ponte, no café, à beira do Ganges, em Mysore e agora aqui, em Rishikesh. No fim do dia penso sempre no quanto ias adorar as chamuças, os chapatis, a água de cocô e no quanto ias detestar os gritos, as buzinadelas, os mercados sujos e barulhentos e as infinitas lojas de acessórios. De qualquer das formas, imagino-te sempre aqui, ao meu lado.
Sei que este texto é mais extenso do que aquilo que gostarias. Mas representa a minha necessidade de partilhar esta aventura contigo. Se não te escrevi mais foi porque não te quis afastar. Neste momento faço aquilo que sinto que quero fazer, sem medos.
Começo o curso no sábado e por isso não tenho muito tempo para explorar a cidade. Vou estar imersa no yoga, desde as 6h da manhã até às 21h, todos os dias, excepto nos dias de lua cheia. Sinto que já estou a recuperar da exaustão a que estive sujeita durante dois meses em Mysore. Mas agora vou começar novamente.
“Porque é que me meto nestas coisas?” pergunto-me. Pergunto-me mas sei a resposta a esta pergunta. Quando estás fora da tua zona de conforto, quando estás num quarto frio, sem água quente, num lugar desconhecido, sobrepopulado, com pessoas que não falam a tua língua, quando tudo é um desafio…. a nossa primeira reacção é gritar, chorar, fugir.
Meto-me nestas coisas porque se conseguir manter-me serena e controlar as minhas emoções aqui – em circunstâncias extremas – sei que vou conseguir fazê-lo em todo o lado. E é o que sinto. É estranho… Mas noto que, ao longo de toda a viagem, mesmo que esteja em situações menos boas e mesmo que sinta receio sinto-me, intrinsecamente, tranquila. Ora quando a minha mota desaparece no meio de um dos mercados mais povoados de Mysore, ora quando saio do quarto e me deparo com dois macacos na cozinha; ora quando fico sem uma roda na scotter a caminho da prática às 5h da manhã; ora quando me sinto triste, ora quando vagueio pelas ruas sozinha. Sinto-me sempre, fundamentalmente, tranquila.
Estou a contar os dias para voltar. Por um lado sinto-me em órbita, gostava de continuar, conhecer, explorar. Mas por outro lado, estou sempre aí, contigo, em pensamento. Há coisas que não estão resolvidas e a minha mente não consegue entregar-se totalmente a esta experiência porque está aí. Contigo.
Beijinhos grandes (agora) a partir de um café manhoso, mas com Internet, em Rishikesh! Índia Índia Índia Índia Índia Índia
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