Querido Portugal, todos os dias luto esmagadoramente contra a vontade de regurgitar palavras que te magoem, mas sou quotidianamente assolada por uma profunda revolta e por uma profunda mágoa.
Juro que não te quero odiar, mas no final de um dia de trabalho numa empresa onde as relações de trabalho são invadidas pela mesquinhez portuguesa do maldizer e pelo modelo hierárquico vertical, da má gestão, do fraco desempenho, do privilégio de sangue, da chico-espertice e da sabotagem, rogo-te pragas a torto e a direito ao mesmo tempo que suplico aos santos e beatos que ativem um plano de contingência para esta profunda crise que ninguém quer reconhecer, mas que todos sabem existir.
Rogadas as pragas à gestão dos excelentíssimos senhores doutores e professores desta república das bananas encaminho-me para a aventura temerária dos transportes públicos e entro no mundo fantástico da sardinha enlatada à moda portuguesa.
Sim, a introdução dos novos passes únicos na Área Metropolitana de Lisboa foi um alívio para o bolso dos utentes. Agora só falta mesmo dotar a rede de transportes públicos com….transportes. Como se já não bastasse a agressão quotidiana laboral, o cidadão português continua, para não variar, a ser agredido nos transportes públicos. São os empurrões, as cotoveladas inofensivas, a invasão que fazem do nosso espaço pessoal e a invasão que fazemos no espaço dos outros.
Mas não me interpretem mal. Os portugueses estão cansados, mas a culpa também é dos portugueses. O povo português é isento de autocrítica, diametralmente inculto, escusa a educação cívica e política e prefere o senhor engravatadinho ao competente, o carro novo às contas pagas, o futebol ás urnas, o bem-vestir ao mal comer.
Em Portugal a esperança é parca. Os líderes contam-se pelos dedos das mãos. Nesta república das bananas reinam os gestores que se autointitulam de “líderes”, os lobos em pele de cordeiro, que acreditam que a agressão emocional, os gritos e as ameaças fazem parte dos ingredientes da Baba au rhum que é a produtividade. A cereja em cima desse Baba au rhum (fui pesquisar o nome de uma sobremesa com uma cereja no topo e foi este o nome que encontrei) é o consentimento perpétuo dos colaboradores portugueses à violência gratuita praticada pelas chefias. O mote é: “Desde que não me toque a mim, está tudo bem.” Com isto aproveito para evidenciar outra característica da nossa cultura nacional que me aflige… a inveja, ou como o dicionário explica: o desgosto pelo bem alheio aka o desejo de possuir o que outro tem.
Detesto ver a agressão que é feita quotidianamente aos portugueses de segunda, aos não engravatados, aos não excelentíssimos senhores engenheiros doutores professores. Não gosto de ver as filas nos centros de saúde, o estado arcaico da função pública, a miserável oferta dos cuidados de saúde primários neste país. Não entendo que os portugueses achem normal trabalhar horas a fio e receber pouco mais do que o ordenado mínimo para pagar as contas e pouco mais. Detesto que não nos apercebamos que não temos sentido de dignidade social e laboral e que somos agredidos porque assentimos.
Perdoem-me o moralismo incomodativo (mas necessário). Em Bruxelas, onde vivi e trabalhei nos últimos seis meses, as manifestações nas ruas eram constantes e a chefia era a primeira a transmitir aos colaboradores esse direito: “Se querem ir vão. É um direito vosso”. E não me vou alongar sobre a excelentíssima liderança baseada no feedback pontual, na motivação profissional, no ambiente de trabalho agradável, no reconhecimento dos profissionais e na compensação financeira ao final do mês.
Meu querido país, não te quero odiar, mas por favor não me arrastes na tua inércia e nos teus brandos costumes. Temos uma infinita esperança de que as coisas mudam, mas não fazemos nada por isso.
Não podemos cair na espiral do silêncio, ter medo de fazer perguntas e de lutar pelas respostas. É necessário ganhar consciência de que: exercer o direito cívico de ir às urnas, fazer greve, reivindicar melhores condições de trabalho e participar em manifestações é uma ferramenta de reivindicação.
Depois de múltiplos toques, saio do comboio rumo a casa. Na emoção que teima em aparecer de fininho, desejo profundamente que nos apercebamos que Portugal é uma manta de retalhos com demasiado incivismo político e com uma exuberante dose de falta de civismo do Zé Povinho.
Como um bom português (à parte da indisciplina e da insubordinação) peço que me concedam o vosso perdão por ferir algumas suscetibilidades. Regressei há apenas um mês e ainda estou abananada.
Para vos expressar esta inquietação.