27/01/2023
Etiópia, Addis Ababa, Dembel area
Há precisamente 7 meses que nao te escrevia. Que tempo estranho é este que ora corre desenfreado, ora demora a passar. Ou que pessoa estranha sou eu, por querer que o tempo passe a correr, sabendo da impossibilidade de negociar com o tempo, porque o tempo não se ganha ou perde. Vive-se com muita pressa.
Nos últimos meses, tenho vivido com muita pressa, a tentar negociar com o tempo como se ele fosse um ser material e racional. Tenho tentado negociar com ele em pensamento (assim muito baixinho porque sei que negociar com o tempo só pode ser errado…), pensando em coisas como:
“Imagina que me deixavas saltar para a frente dois meses… Para compensar tiravas-me 1 minuto de vida.”
E depois de pensar tal rebaldaria, envergonho-me de mim própria e penso “Eu não posso mesmo estar boa da cabeça (rio-me sozinha)”.
Estamos em Fevereiro. Este é o meu nono mês na Etiópia. Passei o mês de dezembro e algumas semanas de Janeiro em casa, entre Portugal e Bruxelas, para celebrar o Natal. Que mês santo! Voltei à Etiópia há tres semanas. Em retrospectiva, viver neste país tem sido intenso a todos os níveis. A oportunidade de viver num país africano na Etiópia (a Etiópia é fundamentalmente diferente de todos os países africanos) tem-me permitido desconstruir e alargar a minha visão do mundo, criar novas opiniões e, acima de tudo, valorizar o privilégio de ser europeia.
Não direi que a minha relação com a Etiópia é saudável e plena mas é sem dúvida estruturante. Nos momentos mais desafiantes penso “Depois da Etiópia, o resto é peanuts”. Saírei certamente mais resiliente e confiante.
O meu assignment termina em Abril e decidi não estender. Vou aproveitar os meus leave days para regressar a casa mais cedo. Entretanto, para fechar o meu capítulo de África, eu e o E tirámos o mês de Maio para fazer uma roadtrip pela África do Sul, Namíbia, Botswana e Zimbabwe (mal posso esperar)!
Ainda não sei o que vem a seguir. Daqui a dois meses volto a Bruxelas com este capítulo terminado, orgulhosa por ter (sobre)vivido um ano num país como a Etiópia e pronta para novos desafios. Por vezes a ansiedade de não saber o que se segue vem ao de cima mas, mais do que qualquer ansiedade, é a curiosidade e a excitação de saber que posso fazer aquilo que me “der na telha”! O desconhecido nunca me causou medo, pelo contrário. O desconhecido alicia-me. Imagino-o, materialmente, a tocar-me levemente no ombro, carregando consigo uma promessa de equanimidade e plenitude. Há que ver no mundo um espelho de nós mesmos – quando confiantes, avançamos sem medo do desconhecido. Com confiança.
As possibilidades sao inimagináveis e isso trás-me uma sensação de liberdade desmedida. Continuar no sistema da UN, muito provavelmente fora de Bruxelas? Teria energia e vontade para tal? (don’t feel like it). Ou preferia investir na consulturia e na liberdade que trás (most probbaly)? Ficar por Bruxelas, assentar (criar família, comprar casa) e considerar as instituições europeias? Tirar o verão, descansar, passar uma temporada no countryside a escrever o livro que está na cabeceira? As possibilidades são infinitas e a felicidade enche a minha alma insatisfeita. “The world is my oyster”.
Independentemente das possibilidades que conjecturei (e das muitas outras que a vida, sem aviso, nos trás), o certo é que quero descansar, tirar uma pausa. É interessante observar que, quando somos mais jovens, navegamos pela vida sem nos darmos conta das novas fases e ciclos pelo qual passamos. À medida que evoluímos, estes ciclos tornam-se mais óbvios, palpáveis, passando a ter uma nova dimensão na medida em que fazemos escolhas conscientes, que vão ao encontro destas novas fases e ciclos. Sinto naturalmente uma necessidade de assentar e desfrutar do presente, priviligiando uma boa qualidade de vida juntos dos amigos e família – essa disposição natural dá início a um novo ciclo que privilegia a quietude. Depois de anos de mudanças, a terminar trabalhos na sexta-feira e a começar novos trabalhos, em países diferentes, na segunda-feira, acabou.
É importante parar. Parar é também o ato de nos lançarmos nesta aventura extraordinária que é o de experimentar o mundo sem qualquer expectativa, mas com muita confiança.
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